Twitter suspenso: do SMS de confirmação ao canto do cisne neoliberal
Como o Twitter moldou o início da influência do Brasil e quais aprendizados podemos tirar de sua - até agora definitiva - suspensão.
Se você se conecta com esta maneira de ver o mundo que é produzir projetos de conteúdo para marcas, startups e empreendedores, já deve ter sido atingido pela bomba do final de semana: o Twitter está bloqueado no Brasil, após decisão do Presidente do STF, Alexandre de Moraes.
Tecnicamente a decisão está correta. Politicamente, dentro das agendas envolvidas, também. Mas o fato é que desde o início dos anos 2000, quando a gente recebia uma confirmação por SMS para validar a nossa arroba (sim, sou dessa época), até recentes escândalos envolvendo influenciadores, quem está imerso no mercado, deixou passar um detalhe muito relevante: a aparente necessidade que nos foi embutida no pensamento, qual seja, a submissão irrestrita ao conceito de plataforma mediada por algoritmos.
Para exemplificar, levo você que me lê até um distante 2007. Nesta época, recebi um convite para me integrar à gravação ao vivo de um episódio do Braincast, direto do palco de um evento que fez história no mercado de então, o Intercon. Pois é, xófem, existiam podcastas antes do Spotify.
O fato é que para além deste acervo que se perdeu no tempo, das amizades que não soube cultivar e os ditames de uma época que já passou, uma cena foi emblemática. Eu aguardava o nosso painel e
- que também estaria dali há algumas horas na gravação - avisava à plateia para marcar suas perguntas com um “#intercon2007” à frente do texto. E que tiraria as dúvidas a partir do mapeamento destas questões, cujo então estranho símbolo trataria de agrupar.Sim, eu estava lá quando se usou a hashtag pela primeira vez, pelo primeiro brasileiro a entrar no Twitter.
O ponto aqui é que à época, pouco antes do crescimento da lógica algoritmos vivíamos certo amor pelos coletivos pensantes com também sonhava Piérre Levy1. Acreditávamos mesmo em um futuro orgânico, de gestão de conhecimento e liberdade criativa. Que não aconteceu.
Corte rápido para final de agosto de 2024
De lá até o bloqueio, o mundo mudou. Vi um 2009 no qual esta conta aqui cresceu levada pelo podcast que representava; que esta original estacionou para sempre nesta base que envelheceu comigo, a década seguinte me engolir com projetos ligando a lógica do conteúdo ao crescente e-commerce nacional e, mais recentemente, a liderança de estratégia em um dos maiores laboratórios de conteúdo do país.
No dia a dia de projetos cada vez maiores, para marcas igualmente grandes, falando com multidões, sempre me vem na lembrança esse dia em outubro de 2007. Em como éramos livres e de como somos submissos hoje.
Nem pior, nem melhor, apenas diferente diria o Carnavalesco. Mas não ter alternativa nos torna ferramentas de um negócio no qual não entendemos sermos o produto quando tudo aparenta ser gratuito.
Mais ainda, as alternativas que brotam - caso se confirme o bloqueio e as multas por usar VPN para acessar o X - , repetem o mesmo ditame platafórmico do que seu antecessor.
Threads, embora pague de federado ao Fediverso, é da Meta, do mesmo Zuck que desde 2016 brinca de bolhas que não são de sabão e pouco divertidas. Blue Sky flerta com bons princípios mas se confunde (e nos faz confusão) com seus infinitos feeds. Mastodon, bem, tem um que de Linux nessa história toda, né? Um projeto bem intencionado, mas que seguirá para iniciados e pouco numerosos adeptos da descentralização.
E o que é mais curioso: isso não muda se a rede de Musk for novamente liberada. Alternativas e MainStream continuarão a nos oferecer seu filtro algoritmíco como mediador de realidade, continuarão a clusterizar opiniões, continuarão a empacotar tudo o que nos envolve e vender esse substrato para anunciantes. Esse é o negócio.
A grande questão, não muda: será esta a única forma?
Para colaborar com o seu repertório, falo desta obra aqui: A inteligência coletiva: Por uma antropologia do ciberespaço.